quinta-feira, 30 de junho de 2011

Afecções ungueais nas doenças sistêmicas. O que as unhas podem dizer-nos



Anatomia básica da unha

A unha é uma estrutura de células escamosas queratinizadas que agem como uma placa protetora e de suporte.

A lâmina ungueal é produzida pelos queratinócitos da matriz ungueal, na porção proximal do leito ungueal. Caracteriza-se por ser composta de queratina, apresentar consistência dura e estar acima do leito ungueal e sobre a face dorsal da falange dista (Figura 1)3.

A matriz ungueal é composta por um epitélio que fixa a unha ao seu leito. As matrizes, proximal e distal, originam a face dorsal e ventral da lâmina ungueal, respectivamente. O crescimento da unha sobre o leito ocorre pela adição de células queratinizadas provenientes da matriz ungueal, tornando a unha mais espessa e aderente. Assim, durante o crescimento da unha, a porção distal da matriz produz as camadas mais profundas da lâmina ungueal, enquanto que a proximal as mais superficiais. Esse tipo de produção é importante, porque a disfunção da matriz proximal (pode ocorrer nos pacientes com psoríase) resulta em alterações ungueais mais superficiais, enquanto que a disfunção da distal resulta na formação de sulcos ou fissuras (Figura 1). As alterações lineares transitórias e do crescimento podem formar linhas transversas na lâmina ungueal, como as linhas de Beau, Mees e Muehrcke. As modificações na configuração dos capilares no leito ungueal proximal são responsáveis pelos distúrbios ungueais que ocorrem nos pacientes com doenças do tecido conectivo, enquanto que as anormalidades dos vasos periosteais contribuem para a formação da unha em vidro de relógio e baqueteamento dos dedos1-5. 

A parte proximal da unha é fixada pelo eponíquio (dobra ou prega dorsal que recobre a superfície proximal da unha), lateralmente pelas dobras ungueais e na parte distal pela dobra ungueal distal (que é o hiponíquio - localiza-se abaixo da borda livre da lâmina ungueal e corresponde à camada de epiderme espessada que se encontra na junção entre o leito ungueal e a pele). O leito ungueal está localizado abaixo da lâmina ungueal e se estende da lúnula ao hiponíquio. As pregas ou dobras ungueais proximal e lateral (ou paroníquio) correspondem à junção lateral da unha à pele. O peroníquio corresponde a todas as estruturas que compõem o aparelho ungueal, incluindo a placa ungueal, o leito ungueal, eponíquio, paroníquio e hiponíquio (Figura 1). As unhas dos dedos das mãos crescem 0,1mm/dia e as dos pés 0,03 mm/dia1-5. 

Lesões lineares transversas, depressões, pitting, leuconíquia e outras alterações da cor 

1. Linhas de Beau
É a depressão linear transversa na lâmina ungueal e significa alteração temporária no crescimento ungueal. Sabe-se que as unhas crescem em torno de 0,10-0,15 mm/dia. Assim, podemos estimar o intervalo de tempo em que a doença iniciou, ao medirmos a distância entre a prega ungueal proximal e a linha de Beau. A causa mais comum é o trauma local. As linhas de Beau também podem refletir estado nutricional pobre, hipersensibilidade a drogas, doenças febris e exposição a temperatura frias nos pacientes com fenômeno de Raynaud (Figura 2)1,3.
 

Figura 2 - Linhas de Beau.

Figura 3 - Pitting.
Figura 4 - Leuconíquia puntata.

2. Linha de Mees
É a linha esbranquiçada transversa na lâmina ungueal, que pode ser única ou múltipla. Essa linha pode significar intoxicação por arsênico, septicemia, aneurisma dissecante da aorta, várias infecções parasitárias, insuficiência renal, bem como o resultado de alguns medicamentos (quimeoterápicos)1,3. 

3. Linhas de Muehrcke 
São linhas brancas transversas paralelas a lúnula. Estas linhas horizontais surgem ao pares, atravessando por toda a unha e desaparecem quando se comprime as unhas. Essas linhas representam anormalidade vascular do leito ungueal e, assim, não se movimentam com o crescimento da unha. Essas características a diferenciam das linhas de Mees. Surgem nos pacientes com hipoalbuminemia (albumina < que 2 g/dl) e desaparecem quando as proteínas se normalizam. Também podem estar presentes em pacientes com síndrome nefrótica, doenças hepáticas, má nutrição, uso de drogas quimioterápicas, síndrome de Peutz-Jeghers, bem como nos transplantados renais1,3,5. 

4. Pittings
São pequenas depressões disseminadas na unha normal. A causa desses pits é devido a focos de paraceratose na matriz ungueal. Em geral, pitting está associado a psoríase. Podem ocorrer na dermatite atopica, líquen plano sarcoidose, pênfigo vulgar, alopecia areata, incontinência pigmentar, síndrome de Reiter (Figura 3)1,3,5.

5. Leuconíquias
Crianças e adultos apresentam máculas ou linhas esbranquiçadas na lâmina ungueal em uma ou mais unhas. A leuconíquia pode ser estriada, puntata, parcial e total. A leuconíquia puntata é o padrão mais comum e ocorre devido a pequenos traumas locais (Figura 4). A leuconíquia estriada pode ter caráter hereditário, secundariamente a trauma local ou por doença sistêmica quando múltiplas unhas estão envolvidas. A leuconíquia parcial foi encontrada na tuberculose, nefrite, doença de Hodgkin, metástases de carcinomas, hanseníase, perniose e por causas idiopáticas. A leuconíquia total pode ser hereditária ou por doenças sistêmicas, como a febre tifoide, colite ulcerativa, cirrose e hanseníase1,3,5. 

6. Síndrome meio a meio ou metade-metade
A metade proximal da unha é normal ou esbranquiçada. A porção distal (20% a 60%) pode ser acastanhada ou rósea. Observou-se essa síndrome na doença renal com uremia e indivíduos que utilizam 5-fluorouracil1,3,5. 

7. Unhas de Terry
Alteração semelhante a unha metade-metade, mas acomete apenas 1 a 2 mm da porção distal (<20%). Ocorre nos indivíduos com cirrose hepática, Aids, insuficiência cardíaca congetiva e diabetes mellitus1,3,5.

8. Unha vermelha
A lúnula é vermelha. A unha vermelha está associada a alopecia areata, doença vascular do colágeno, uso de prednisona oral na artrite reumatoide, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, cirrose, urticária crônica, psoríase, monóxido de carbono1,3,5. 

9. Unhas azul
São observadas nas patologias degenerativas hepatolenticulares (doença de Wilson), argiria e drogas do tipo 5-fluorouracil e AZT (azidotimidina)1,3,5.
 

Figura 5 - Unhas em vidro de relógio.

Figura 6 - Onicólise.
Figura 7 - Coiloníquia.
Alteração do crescimento 
1. Síndrome das unhas amarelas
Nesta síndrome as unhas param de crescer e desenvolvem a aparência de unhas espessas, duras e curvas, com coloração amarelada. A lâmina ungueal se apresenta opaca e a lúnula está ausente. Ocasionalmente pode ocorrer onicólise. Essa síndrome está associada a várias patologias sistêmicas e as mais comuns são as doenças pulmonares (DPOC – Doença pulmonar obstrutiva crônica), pleurais e linfedema1,3,5.

2. Unhas em vidro de relógio
É definido como aumento da curvatura transversa e longitudinal da unha, hipertrofia dos componentes dos tecidos moles da polpa digital e hiperplasia do tecido fibrovascular na base da unha. Ocorre baqueteamento dos dedos, em virtude dessas alterações não envolverem apenas as unhas, mas também as falanges distais. Há aumento do ângulo formado entre a superfície dorsal da falange distal e a lâmina ungueal. O normal desse ângulo (ângulo de Lovibond) é de 160 graus e na unha em vidro de relógio esse ângulo é de 180 graus (Figura 5). As unhas em vidro de relógio podem ser familiares, idiopáticas e adquiridas. Em geral, a forma adquirida é o resultado de patologias pulmonares, cardíacas, hepáticas ou gastrointestinais (doença celíaca ou inflamatória do intestino)1,3,5-6. 

3. Onicólise
É a separação distal da lâmina ungueal do leito ungueal. Inicia-se na margem livre distal da lâmina ungueal e progride em direção a borda proximal. A onicólise é observada em associação com várias patologias sistêmicas, entretanto não é específica (Figura 6). As patologias que podem estar associadas são hipertiroidismo, hipotereoidismo, psoríase, pelagra, porfirias. Nos pacientes com hipertireoidismo é conhecida como unhas de Plummers1-5,7. 

4. Onicomadese
É a separação proximal da lâmina ungueal do leito ungueal, que resulta em perda da lâmina ungueal. Em geral é causada por traumas, mas ocasionalmente pode ocorrer por má nutrição e estados febris1,3-5. 

5. Coiloníquia
É representada pela concavidade longitudinal e transversa da unha. As unhas são côncavas, finas e com bordas evertidas, semelhantes a uma colher (Figura 7). É mais comum nas unhas da mãos do que nas unhas dos pés. Esse sinal pode ser o resultado de trauma, exposição constante das mãos a solventes derivados de petróleo ou síndrome do cotovelo-patella-unha (hipoplasia de patela/cotovelo, anormalidades renais e esqueléticas). Em geral, a coiloníquia está associada a deficiência do ferro e, ocasionalmente, pode ocorrer nos indivíduos com hemocromatose. Outras causas de doenças sistêmicas incluem doença coronariana, hipotireoidismo e lúpus eritmatoso com fenômeno de Raynaud. A coiloníquia também pode ser uma variante normal nos recém-nascidos e, em geral, ela pode desaparecer nos primeiros anos de vida1,3-5. 

6. Onicorrexe
É a presença de estrias longitudinais na lâmina ungueal. É comum em indivíduos idosos (Figura 8). Também pode ocorrer em na artrite reumatoide, doença vascular periférica, líquen plano e doença de Darier1-3. 
Alterações vasculares e leito ungueal 

1. Hemorragias lineares ou em estilhas

Representa o extravasamento de sangue dos vasos do leito ungueal com disposição longitudinal. A causa mais comum de doença sistêmica é a endocardite bacteriana. Dos pacientes, 15% com endocardite bacteriana podem apresentar esse sinal,. Entretanto, 20% de indivíduos sem endocardite também podem apresentar esse sinal, como, por exemplo, nos traumas, psoríase e nódulos de Osler1,3-6.

2. Prega ungueal proximal com alças de capilares proeminentes e anormais
Esse sinal é indicador de doença sistêmica subjacente, como, por exemplo, no lúpus eritematoso sistêmico, dermatomiosite, fibrose cística etc.1,3-5. 

3. Pterígio ungueal inverso ou pterígio ventral
É a adesão da parte distal do leito ungueal a face ventral da lâmina ungueal. O tecido mole é ligado firmemente e diretamente abaixo da lâmina ungueal. Há uma forma congênita e outra adquirida. A forma adquirida está associado as doenças do tecido conectivo, especialmente a esclerodermia sistêmica progressiva1,3-5. 

Nenhum comentário: